domingo, 6 de novembro de 2011

Sou um estrangeiro nesse mundo

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a
sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou um estrangeiro para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, penso:
"Quem é ele? Onde o encontrei? Que me une a ele? Por que me aproximo dele e o freqüento?"
Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro
Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.
Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo
no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem, gritando: "Eis o cego,
demos-lhe um cajado que o ajude." Fujo deles. Mas encontro outro grupo de raparigas que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: "É surdo como uma pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo." Deixo-as, correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: "É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua." Fujo deles com medo. E encontro um grupo de velhos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: "É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros."
Sou um estrangeiro, e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha
terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.
Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e
insetos. Se sair à luz, a sombra do meu corpo me segue, e as sombras de minha alma ma
precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volta para casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras,
alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda a resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.
Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um estrangeiro, e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma da minha alma.
Caminho pela selva inabitada, e vejo os rios correrem e subirem do fundo do vale ao
cume da montanha. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas, e florirem, e frutificarem, e perderem suas folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.
E as aves do céu voam, pousam, cantam gorjeiam e depois param, abrem as asas e
viram mulheres nuas, de cabelo solto e pescoços esticados. E olham para mim com
sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.
Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em verso, e em versos o que a vida
põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria...

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